6.9.10

PAPO DA VEZ - Guilherme Sebastiany



Nos fale um pouco da sua carreira, você sempre esteve a frente da sebastiany?
Comecei minha carreira como freelancer no final de 1997, quando ainda estava na faculdade. Tenho que admitir que foi um começo um tanto amador e não sabia muito bem o que estava fazendo. Mas como todo iniciante, achava que sabia tudo.

Cometi erros e acertos neste começo. Por um lado, tive a oportunidade desde cedo de aprender a lidar com clientes, o que me é útil até hoje. De outro lado, não tive a oportunidade de estagiar em um escritório de design maior, o que certamente teria acelerado o lento processo de aprendizado que passei, não sobre design, mas sobre como funciona um escritório, sobre como estruturar e gerenciar uma equipe, compor custos etc.

Em 2003 contratei minha primeira estagiária, a Camila Vieira, que hoje está na Ideia Fixa, e em 2004 meu segundo estagiário, o Renato Akira, que hoje é meu sócio. Posso dizer que os dois foram os pilares que me ajudaram a construir a Sebastiany.

Então se estive sempre a frente da Sebastiany? Sim, mas sempre com a ajuda dos outros que passaram pela Sebastiany e me ajudaram. Nunca sozinho.

Você se tornou especialista na criação de marcas, o mercado brasileiro aprendeu a valorizar este tipo de trabalho?
Acredito que o mercado aprende mais a cada dia.

No final da década de 90 muitos designers brasileiros reclamaram quando escritórios de fora foram contratados para a realização de projetos de marcas importantes. Eu fui um deles. O argumento comum era de que haviam profissionais igualmente capacitados no Brasil para a realização de projetos de identidade visual e que não era necessário contratar alguém de fora.

Mas o entendimento que faltava era de que um projeto de marca não é de forma alguma um projeto de identidade visual. Ninguém no Brasil falava ou entendia de Branding. Hoje vejo aqueles projetos com outros olhos. Até podemos criticar algumas das identidades resultantes destes processos de construção de marca, que poderiam ser melhores, mas a verdade impopular é que não haviam escritórios no Brasil com aquele know-how, e o que estava por trás daqueles projetos era maior do que somente um conjunto de cores, formas e tipografias.

Acredito que a entrada no mercado Brasileiro de escritórios de fora ajudou tanto na transferência de conhecimento quanto na maior conscientização sobre a importância da marca. O tema ganhou a mídia especializada em negócios e com isso cada vez mais o mercado brasileiro reconhece e está aprendendo cada vez mais a valorizar esse trabalho.

Você costuma trabalhar com profissionais novos no mercado, isso é bom?
Não sei se é bom nem se é melhor, mas tem sido a nossa opção por enquanto. Contratar as pessoas ainda jovens e sem “vícios” da profissão. Não estamos atrás dos melhores “talentos”, mas sim dos melhores comportamentos.

Acreditamos na Sebastiany que nem todos precisam ser bons em tudo, afinal, trabalhamos sempre em equipe compartilhando não apenas as habilidades, mas a própria criação. Não há aqui no escritório a ideia de “autoria” ou “propriedade” individual do projeto. Se ele é bom, é mérito de todos, se está ruim, todos são responsáveis pela melhoria e correções. No final, todos metem os dedos nos projetos de todos, e mais, são convidados a fazê-lo.

Algumas empresas e mesmo faculdades valorizam apenas a criatividade individual, e vemos isso como algo ruim pois estimulamos a colaboração e não a competição. Em alguns casos recebemos portfólios excelentes de designers que a vida inteira trabalharam sozinhos. Quando isso acontece avaliamos: O que vai dar mais trabalho? Ensinar projeto a alguém com pouca experiência, mas que tem potencial e já sabe trabalhar em equipe, ou ensinar um novo comportamento e uma nova forma de pensar para alguém que já tem opiniões formadas e respostas para tudo?

Quando selecionamos, estamos sempre procurando pessoas que saibam trabalhar em equipe e reconhecer os méritos e valores dos outros a sua volta. Que saibam pedir ajuda e queiram aprender e ensinar. E principalmente, que entendam que uma crítica a um projeto que ela fez não é uma crítica a pessoa que ela é.

Esses profissionais estão preparados? como você avalia de modo geral as faculdades / cursos técnicos?
Infelizmente não. Mas também não esperávamos que estivessem por dois motivos.

Primeiro, porque poucos cursos estimulam o trabalho em equipe. Isso é culpa das grades e da forma como as avaliações das disciplinas são estruturadas. Mesmo em cursos onde isso ocorre, muitas vezes há por parte dos professores um estímulo ao ego e ao “estilo individual” do aluno. Já vi bons colegas professores proclamando a ideia que design é um “estilo de vida”, quando na verdade é apenas uma profissão.

Segundo, porque a nossa área, marcas, é pouco abordada na maioria das faculdades de design. Eu até entendo, afinal, alguns cursos se propõe a dar um panorama abrangente da profissão, abordando ao mesmo tempo muitas áreas do design. Porém mesmo em cursos voltados especificamente para design gráfico, as disciplinas de identidade visual são insuficientes e na minha sincera opinião as vezes até equivocadas. Posso estar errado, mas acredito que em lugar de criar identidades para eventos, revistas, museus, (temas mais nobres) os alunos deveriam projetar marcas mais “mundanas” mas não necessariamente menos complexas como cafeterias, escritórios de advocacia, construtoras. Temas menos nobres mas próximos da realidade do que será o dia a dia do profissional. Aqui soma-se um fator importante: a forma de remuneração dos professores nas universidades, que valoriza apenas a titulação e não a experiência prática. Isso infelizmente não estimula que os profissionais que estão neste mercado contribuam com as formações dos alunos. Resultado: nem sempre os professores que estão em sala são especialistas ou tem uma vasta experiência em identidade visual.

Um assunto que dia a dia lhe incomoda, o plágio. Até quando?
Acho que não é algo que incomoda a mim somente, ou algo apenas brasileiro. Acho que é uma epidemia global de plágios que só tende a piorar. Basta participar de alguns grupos de discussão, ou sites específicos de portfólio para perceber que estão mais frequentes tanto aqui, quanto lá fora.

Para mim o principal culpado deste fenômeno é a internet. Mas antes que o leitor fique bravo comigo, deixe me explicar o porquê. Não é que a internet facilite tecnicamente o plágio pela disponibilidade ágil de se extrair uma imagem do site alheio. Embora isso até possa ocorrer, todos os plágios de marcas nossas que encontramos no exterior, coincidência ou não, são de marcas que estão publicadas em livros americanos e europeus. Acho até que a internet tem ajudado cada vez mais na detecção e localização dos plágios. Quando publicamos nossos projetos em sites como Flickr, Behance, Logopond, Logolounge etc estamos transformando a um grupo grande de outros colegas designers, que acompanham o nosso trabalho, em observadores que podem localizar os plágios. Da mesma forma, acompanhamos os deles.

Mas acho que a internet ao mesmo tempo que pode ser uma tremenda e fantástica fonte de informação, pesquisa e aprendizado, está deixando muito jovens profissionais imediatistas e preguiçosos. Em lugar de ir a uma biblioteca, pesquisar diferentes autores e opiniões divergentes para formar a sua, este jovem muitas vezes prefere enviar um e-mail para outra pessoa perguntando qual é “O” livro ele deve ler e que vai ter tudo o que ele procura. Como se tal livro existisse... Da mesma forma, quando falamos do projeto de uma marca, o que ninguém ensina aos alunos é que é realmente um processo LONGO, DESGASTANTE E FRUSTRANTE.

LONGO porque o processo todo demora muito tempo, não é rápido nem fácil. Nossos projetos mais curtos, por exemplo, demoram em média 100 horas de trabalho. O que é tranquilo em uma equipe maior, pode ser demorado demais quando se trabalha sozinho.

DESGASTANTE porque várias etapas do processo não são divertidas. Para se chegar a um bom projeto é necessário fazer tarefas de estudos e pesquisas nada inspiradoras, mas que fornecem justamente as informações importantes. Soma-se a isso a pressão de prazos e resultados por parte dos clientes.

FRUSTRANTE porque todo processo de criação é uma sucessão de muitos fracassos, antes que se chegue a solução final. Todo projeto é assim. Quando vemos um “logo” bem feito de um colega, ele é encantador, mas o que temos ali é apenas o resultado final, tão lógico que parece que foi fácil. Fruto de um misterioso insight. Esquecemos que houve um processo longo e muitas propostas descartadas por traz de cada resultado. Nesta angústia, o plágio é realmente MUITO TENTADOR, ainda mais em uma sociedade interconectada que deseja as coisas muito rápidas.

Devo ser sincero com vocês, quando ainda estava na faculdade, começando a fazer trabalhos freelancer eu mesmo fiquei muito tentado em um projeto: Estava frustrado, cansado, e já assumindo a derrota depois de 3 propostas recusadas. Foi quando encontrei em um livro a solução perfeita para o logo do meu cliente. Naquela noite nem consegui dormir por causa do dilema. Eu via que podia pegar a ideia e mudá-la, alterar alguns detalhes, e ficaria perfeita para o projeto. Ao mesmo tempo que eu sabia que era errado. Ficava procurando justificativas para convencer a mim mesmo que não era era um plágio e sim uma inspiração. Ao mesmo tempo que sentia culpa, sentia a urgência de resolver o incômodo e a frustração do projeto.

No final, não plagiei a marca, mas fui MUITO tentado.

Para mim foi um divisor de águas. Percebi com este dilema, que ao fazer o plágio resolveria a minha angústia, mas não o meu problema, que era aprender a lidar ao mesmo tempo com a minha pouca experiência em projetos e com a pressão do cliente. Quando alguém copia o trabalho alheio, perde a oportunidade de aprender algo novo. Opta por permanecer medíocre.

Esse imediatismo que a internet estimula é tamanho, que basta ver que os blogs de design mais populares não são os que aprofundam um conteúdo, mas os que apresentam “dicas rápidas” para tudo.

Todos questionam e falam na busca por um design "brasileiro". Nosso design realmente tem uma cara ou hoje falamos o que o mundo quer ouvir?
Não me atrevo a opinar quando a questão envolve o design de produto. Não estou preparado para discutir o assunto. Dentro deste campo do design que envolve o projeto de mobiliário, objetos etc já tive a oportunidade de ler alguns textos que mostravam opiniões divergentes: De que já há e de que não há um design “brasileiro”; de que um design “brasileiro” é possível, impossível, desejável, alcançável etc. Todos os argumentos me pareciam igualmente convincentes e interessantes nesta discussão.

Mas no caso do projeto de marcas, vivemos todas estas mesmas opiniões ao mesmo tempo. Nestes casos a ideia de buscar um design “brasileiro” em um projeto pode ser, em um caso uma oportunidade, e em outro uma impertinência.

Prefiro olhar a minha volta e perceber na cultura (nacional ou internacional) um grande cardápio de opções, matérias-primas e caminhos que um projeto pode trilhar. Quero ter a liberdade de ser brasileiro em um projeto, e internacional em outro. Quero usar não apenas as nossas raízes, mas também as dos outros, de hoje e do passado. Quero poder ser op art, kitch, art nouveau, helvético, modernista...

Participar de Concursos vale a pena por trazer clientes ou para o ego do criativo?
Nunca ganhamos um cliente sequer porque vencemos um concurso. Até hoje isso nunca ocorreu conosco. Claro que é uma alegria (para nós e para o nosso cliente) quando um projeto é reconhecido e premiado. Mas como todo o nosso trabalho na Sebastiany é um trabalho em equipe, não vejo os concursos como um alimento para o ego (que é algo individual). Pessoalmente, não fico mais feliz quando o projeto premiado tem o meu traço do que quando é um projeto do qual pouco participei. Ambos são igualmente importantes.

Vale salientar que os concursos que participamos hoje não são mais concursos de criação, mas sim premiações onde submetemos os projetos dos nossos clientes. O que eles nos proporcionam? Divulgação do nosso trabalho entre os colegas designer e talvez um aumento da credibilidade para os clientes que já estão em contato conosco. Principalmente, fortalece a nossa imagem com os clientes atuais.

No futuro isso pode até ajudar na captação de clientes. Por enquanto tem mais ajudado a atrair bons profissionais interessados em trabalhar conosco.

O site da empresa foi reformulado, vocês estão com um blog agora. Essas ações deixam a empresa "antenada"?
Acho que ainda estamos longe de ser uma empresa antenada (risos). Dizemos no escritório que somos “old school” e tradicionais em muitos aspectos. Posso dizer apenas que estamos procurando não ficar muito para trás e que buscamos sempre melhorar a nossa comunicação on-line.

Muito ainda tem que ser feito e melhorado. Agora mesmo, depois do site lançado, percebemos que muito pode ser melhorado e aprofundado. Enquanto isso, estamos explorando ao máximo os recursos disponíveis, como o twitter. Acredito que o único ponto de contato que estamos realmente trabalhando bem, seja o nosso Formispring (www.formspring.me/sebastiany), que já tem mais de 250 perguntas respondidas por mim, meu sócio e nossa equipe.

Quais os próximos passos da Sebastiany?
Um dos nossos problemas é que temos mais planos e idéias do que podemos realizar.

Posso dizer que para o futuro mais distante pretendemos publicar alguns livros e talvez implementar uma pequena área de cursos. Para o curto prazo, estamos afinando procedimentos internos do escritório, aperfeiçoando a nossa metodologia de naming. Principalmente, estamos concentrados em definir de forma mais clara os muitos produtos do escritório...

...e pela primeira vez, começar a prospectar clientes, o que para nós é uma grande mudança.

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Veja mais da Sebastiany em:

1 comment:

tio .faso said...

Como ex aluno do Guilherme e um dos poucos a ter formação universitária em marcas (me formei em "Design e Construção de Marcas - Branding Design"), concordo plenamente com as opiniões dele.

A faculdade estimulou o trabalho em grupo, o qual me fez perder o "umbiguismo" pelo trabalho realizado, tanto que se alguém me perguntasse o que eu havia feito, eu nunca conseguia dizer que "fiz tal marca", pois sabia que eu e outros haviam feito.

Mas a faculdade falhou na preparação para o mercado de trabalho. Construímos uma imagem do mercado que nos esperava quando na realidade era completamente diferente, me deixando sem rumo e sem saber ao certo como trabalhar e viver de design de forma autônoma (como eu optei por fazer).

Hoje tenho uma empresa de design de produtos, focado em criação de personagens e brinquedos, mas o caminho foi árduo para eu achar o meu rumo.

Um super abraço,

tio .faso